O futebol amador no Cecap e suas conexões sociais

Além de trazer inúmeros benefícios à saúde, o futebol tem outros significados: como esporte da paixão nacional, é um importante instrumento de sociabilidade entre as pessoas. O futebol cria símbolos, demarca territórios, desnudas facetas pouco conhecidas das pessoas. Para o bem e para o mal. Nos bairros que conformaram o mosaico da cidade, o futebol é dos principais traços que demarcam a identidade coletiva.

Roberto da Matta é um estudioso que pensa o futebol como manifestação da cultura. No livro organizado pelo próprio, O Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira se discutem as várias facetas desse esporte e seus impactos na cultura popular e no sentido da identidade do brasileiro. Entre os vários tipos de enfoques utilizados, vale destacar aquele em que o futebol se realiza como atividade esportiva, reunindo uma série de ritos e significados: a aproximação com o grupo, a organização, a informalidade como regra, enfim, a catarse individual em meio ao uma atividade essencialmente coletiva. Para da Matta, O futebol praticado, vivido, discutido e teorizado no Brasil seria um modo específico, entre tantos outros, pelo qual a sociedade brasileira fala, apresenta-se, revela-se, deixando-se, portanto descobrir.

Quase que naturalmente, o futebol, expressão de cultura e de manifestação social, foi mais uma importante página na vida do Cecap, um dos bairros mais importantes da cidade. O futebol foi, e ainda é, elemento constitutivo da vida comunitária no local.

 Sempre noticiado pela comunicação do Centro Comunitário do Cecap, entidade fundada pelos moradores na década de 1970, os campos de várzea se espalharam por quase todos os condôminos. O futebol está na memória coletiva e afetiva dos moradores nas mais variadas formas: desde as iniciativas de organização dos campeonatos correntes, as tratativas com o poder público, até o futebol de domingo que significa um momento de diversão e manutenção das amizades que se constituíram nesses anos. Apresentamos algumas dessas reminiscências presentes no espírito coletivo dos apaixonados por futebol.

Primeiro é importante ressaltar como geograficamente o Cecap permitiu a proliferação dos campos de futebol por suas redondezas. A área de planície com terrenos alagadiços aterrados para dar lugar às edificações pensadas por Vilanova Artigas se tornou propício para a prática esportiva. O ritmo da construção e a ausência de alguns equipamentos previstos para as freguesias dos condomínios Minas Gerais e Rio de Janeiro, por exemplo, possibilitaram a constituição de grandes áreas planas sem nenhum tipo de construção, que virariam campos de futebol, com times e sedes próprias.

De outro lado, a construção da praça de esportes – atrás do condomínio Paraná e Rio Grande do Sul – que pertencia ao projeto original, se tornou instantaneamente local para as “peladas” entre os moradores dos primeiros edifícios. E será neste lugar que encontramos uma das mais interessantes histórias do Cecap sobre a paixão do futebol na vida de um morador, no caso, o Sr. Nelson Hernandez.

Todo domingo, às sete horas da manhã, inicia-se no campo entregue pelo governador Paulo Egídio em 1977 – chegada vultuosa num helicóptero no meio do campo, com direito a beijos e abraços em todos os presentes -, o Rachão das 7, “pelada” que reúne de forma democrática moradores e visitantes no campo (hoje se do Panelão Futebol Clube) para o futebol que vai até as 10:00 da manhã. Cada jogador traz o seu calção, meias e chuteiras para o futebol e em ordem de chegada vão sendo agrupados em quatro times que disputarão a supremacia do domingo da forma mais democrática e simples: o time que vence, fica.

Rachão

Da construção do campo à consolidação do Rachão, o Sr. Nelson perseverou para que o futebol ali pudesse ser realizado. Tendo que enfrentar as “panelas”, recorrentes do futebol, é o próprio que conta os primórdios desse evento: No inicio foi entregue as três quadras. Primeiramente, ali era uma panela tremenda. Eu como nunca fui bom de bola, mas sempre gostei, sempre tive vontade, você chegava lá, tinha sete, oito camaradas. Eu falava: “bom vamos entrar nessa aí e fazer nossa brincadeira”. Futebol de salão era 5 contra 5, aí falavam “Opa, meu time está completo” aí eu ia pro outro lado “o meu também está completo”, aí eu falei “peraí! como está completo se tem sete aqui? Eu sou o 8º, ainda faltam dois”. “Não porque o cara vai vir dali, o cara vai vir”. Aí que tive que dar uma de cabra Lampião, porque eu não sou trouxa tem que ter respeito com a minha pessoa. Eu falei “opa se tem oito aqui, falta dois, o próximo tem que entrar e jogar.”

Já no campo, O primeiro jogo do Rachão das sete, segundo conta o sr. Nelson, foi disputado no dia sete de julho de 1977 entre o combinado de moradores dos condomínios Rio Grande do Sul e Paraná, sendo vencido pelos condôminos “sul rio-grandense” pelo placar de dois a um.

A cada novo domingo, a “pelada” ganhava ares de tradição no bairro, motivada pela concorrência de todos os domingos entre as pessoas que às vezes chegavam às quatro da manhã para não perder o futebol, “virados” da noite de sábado.

A praça de esporte “Conselheiro José Augusto de Mattos” tinha, além do campo, as três quadras, apelidadas de “Três Marias”, hoje usada ativamente por comunidades de imigrantes bolivianos, dando assim um novo significado.

Outro destaque do futebol no Cecap eram os campeonatos idealizados e promovidos pelo Conselho Comunitário, cujo farto material impresso comprova o sucesso do esporte junto aos moradores do condomínio. Eram organizados vários torneios, em todas as faixas de idades e para todos os gostos: dente de leite, intercondomínios, juvenil, veteranos, futebol de campo e futebol de salão. Esses campeonatos ajudaram na construção da identidade do bairro e dos próprios condomínios, cuja algumas rivalidades se tornaram antológicas.

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