Miguel Parente e o jornal Correio do Povo de Guarulhos

Jornal em Guarulhos

A história do Correio do Povo e do jornalista Miguel Parente se entrelaçam de um modo íntimo. O segundo jornal de Guarulhos, segundo o memorialista Adolfo Vasconcelos Noronha, teve apenas Parente como o seu diretor-proprietário durante todo o seu ciclo vital. Apesar desse periódico ter contado com a colaboração de outros autores, Miguel Parente pode ser considerado a alma do Correio do Povo, tanto pelo fato de ter acumulado diversas funções no interior do jornal (editor, redator, repórter, revisor e distribuidor) como pelo seu empenho em mantê-lo vivo durante 42 anos.

Filho do oleiro João Parente e da trabalhadora doméstica Ana Maria da Silva, Miguel Parente nasceu no dia 05 de maio de 1905 em Guarulhos. Esse jovem que viria a ser um dos principais jornalistas guarulhenses, estudou os seus primeiros anos letivos em escolas da nossa cidade, mas acabou realizando os três anos do colegial no Liceu do Sagrado Coração de Jesus, localizado no município de São Paulo.

A história do Correio do Povo e do jornalista Miguel Parente se entrelaçam de um modo íntimo. O segundo jornal de Guarulhos, segundo o memorialista Adolfo Vasconcelos Noronha…
Miguel Parente, 1980. Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Guarulhos

O jornalismo não surgiu na vida de Parente de modo imediato. Antes de escolher a carreira profissional de jornalista, ele havia sido jogador de futebol. Miguel Parente teria vestido as cores do Paulista Esporte Clube de Guarulhos (Conheça histórias do futebol da nossa cidade) e o seu desempenho como jogador de defesa o possibilitou receber um convite para assumir uma das vagas de zagueiro no Sport Club Corinthians Paulista. Entretanto, ele acabou não seguindo a carreira de atleta para se dedicar às páginas impressas do seu jornal Correio do Povo, na qual a sua administração ficava sediada na Rua Felício Marcondes, N° 3, Centro.

Apesar do seu periódico ser considerado pioneiro em Guarulhos por algumas pessoas, o primeiro jornal do município, na realidade, foi A Tribuna de Guarulhos. De acordo com Noronha, esse impresso teria surgido na década de 1920, tendo como o seu diretor o doutor Benedicto A. Trama e o seu redator-chefe o professor Arlindo J. Veiga dos Santos, que contavam com a colaboração do Padre Vicente Conde e do poeta Damasceno Vieira.

A primeira edição do Correio do Povo foi para às ruas no dia 07 de janeiro de 1934 e os seus exemplares foram distribuídos gratuitamente pela cidade de Guarulhos. Esse jornal continha, inicialmente, quatro páginas por edição em tamanho tabloide (com dimensões de 280 x 430 mm) e a sua distribuição ocorria de forma mensal com uma tiragem inicial de 100 exemplares. No entanto, poucos meses depois de sua criação, esse impressopassou a ser publicado semanalmente e podia ser adquirido pelo valor avulso de 400 réis ou por meio dos planos de assinaturas destinados aos seus leitores: o anual por 16 mil réis; o semestral por 9 mil réis; trimestral por 4 mil e 500 réis.


Outras importantes fontes de receita desse periódico foram as taxas cobradas para publicações e os contratos estabelecidos com as administrações dos prefeitos, coronel Guilhermino Rodrigues de Lima (1933-1935) e Waldomiro Pompeo (1966-1970), a respeito da inclusão dos atos da Prefeitura e da Câmara Municipal de Guarulhos em suas páginas. No que se refere ao espaço editorial destinado às propagandas, os preços cobrados eram contabilizados através do centímetro quadrado que as publicações textuais ou de imagens ocupariam nas páginas: linhas cheias na segunda e terceira página, o valor era 200 réis; linhas cheias na última página, o valor era 300 réis; linhas cheias na primeira página, o valor era 400 réis; para a inclusão de mapas e tabelas, o valor era 300 réis.

Com a consolidação do Correio do Povo perante a opinião pública guarulhense, por volta do ano de 1945, Miguel Parente conseguiu aumentar a estrutura física e editorial do jornal, na qual o seu tamanho passou a ser standard (com dimensões de 600 x 750 mm) e a sua numeração de páginas aumentou para seis por edição. Isso foi possível devido ao seu amigo Antônio Machado, dono da antiga Vila Leonor, próxima da Vila Augusta, ter oferecido a sua gráfica, localizada na Ladeira Doutor Falcão em São Paulo, para que o jornal pudesse ser impresso com uma melhor qualidade pela quantia de 400 contos de réis, que deveria ser paga de maneira mensal, conforme a situação financeira do jornalista.

Em dezembro daquele ano, tendo em vista que o jornalista contava com uma tiragem de 1.500 exemplares e uma boa circulação na cidade nesse período, ele decidiu publicar no Correio do Povo um artigo atacando a política adotada pelo prefeito José Maurício de Oliveira em Guarulhos. Em uma entrevista concedida em 19 de setembro de 1972 para o jornal Guaru News, Miguel Parente deu a seguinte declaração: “— Ocorre que eu ataquei o prefeito, pois a política da cidade girava em torno de apenas uma família — a família do prefeito. Era prefeito, delegado, escrivão, funcionários da coletoria e outros cargos públicos que estavam nas mãos dos Oliveira. Num artigo que escrevi, dizia que o povo não podia permitir que essa situação continuasse; que não era possível que todas as repartições públicas ficassem nas mãos de uma só família.”

De acordo com Parente, a atitude tomada pelo prefeito foi de fechar o seu jornal ao acionar o delegado Orestes Correia, que manteve lacrada a sede do Correio do Povo durante o período de uma semana [1]. Ao ter o seu periódico fechado, ele decidiu enviar um telegrama ao presidente da República na época, Eurico Gaspar Dutra, reportando o fato ocorrido. Segundo Miguel Parente, o presidente teria enviado um telegrama-resposta solicitando a reabertura do jornal imediatamente para as autoridades locais.

Ainda que o jornalista adotasse o discurso da imparcialidade como uma bandeira adotada pelo Correio do Povo, as páginas do seu jornal abordavam assuntos voltados à política local, assim como os temas sociais e comerciais, o que possibilita visualizarmos uma intenção particular por trás de sua opinião “isenta”. Outros indícios de que Miguel Parente era um homem com posições políticas mais consolidadas foi o fato dele ter sido filiado ao partido Aliança Renovadora Nacional (ARENA) durante a Ditadura civil-militar brasileira ( e por ter sido eleito como suplente para o cargo de vereador na Câmara Municipal da cidade, embora não tenha ido tomar a sua posse.

Correio do Povo é vendido em 1971

O Correio do Povo foi vendido para Acácio Costa em 1971 e encontrou o seu fim em 1976, após jornais terem passado pelo seu ciclo de vida longínquo, como Gazeta de Guarulhos, Jornal de Guarulhos, O Repórter, Tribuna de Guarulhos, O Guarulhense, A Comarca, Diário de Guarulhos, e, finalmente, Guaru News, que surgiu posteriormente à sua venda. Apesar disso, Parente não deixou de exercer o jornalismo, pois ele fundou anos depois o periódico Guarulhos em Revista, que era um impresso de publicação trimestral voltado à vida e sociedade guarulhense, contendo de 20 a 32 páginas por edição.

Até o final de sua vida, Miguel Parente produziu o Guarulhos em Revista, não apenas para manter vivo o legado do Correio do Povo, mas também para obter o seu sustento, uma vez que não conseguiu conquistar a sua aposentadoria. O jornalista, em entrevista ao Guaru News, garantiu que nunca alcançou grandes lucros e também não havia tirado proveito da condição de diretor-proprietário do quase único jornal existente na cidade durante anos. Segundo Parente, o que de mais importante ele conseguiu adquirir a frente do Correio do Povo foi a rede de contatos e amizades arranjadas no município de Guarulhos.

[1] O jornal Correio do Povo não foi fechado apenas uma vez. Anteriormente ao caso envolvendo o prefeito José Maurício de Oliveira, a sede tinha sido fechada pela primeira vez por um período de quase seis meses. Segundo Miguel Parente, isso ocorreu por “motivos políticos”, mas sem maiores explicações sobre o acontecido.

FONTES

Expediente. Correio do Povo, 08 Maio 1937. Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Guarulhos;

Miguel Parente, há 46 anos no jornalismo guarulhense. Folha Metropolitana, 07 e 08 Dez 1980, p. 14. Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Guarulhos;

NORONHA, Adolfo Vasconcelos. Guarulhos, cidade símbolo. (História de Guarulhos): 1560-1960. São Paulo: Schmidt, 1960, p. 93.

O jornalista, depois de 56 anos de imprensa. Folha Metropolitana, 08 Dez 1982, p. 7. Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Guarulhos.

Um pouco de história: Imprensa em Guarulhos. Guaru News, 19 Set 1972. Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Guarulhos.

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