CECAP: o bairro modernista de Guarulhos

Na década de 1960, ao se discutir novas técnicas que visassem à construção de casas populares e o atendimento ao crescente déficit de moradias no Brasil, um grupo de arquitetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP formado por Paulo Mendes da Rocha, Fábio Penteado e Villanova Artigas foram contratados com a missão de buscar uma nova solução de habitação popular com materiais mais baratos e preços mais acessíveis. Nasceria assim, em 1967, financiado pela Caixa Estadual de Casas para o Povo de São Paulo – hoje CDHU – um projeto arquitetônico que levou a construção do maior conjunto de prédios em Guarulhos dedicada a moradias populares: o CECAP.

 Ao atrair renomados arquitetos para um projeto de habitação popular, a autarquia buscava inspiração nos princípios da funcionalidade, na valorização do espaço público e na industrialização da construção, subjacentes ao espectro da arquitetura moderna. E não importava a ideologia política de seus responsáveis, como no caso emblemático de Villanova Artigas, membro do PCB (Partido Comunista Brasileiro).

cecap de Guarulhos
CECAP: Vista aérea da construção do Condomínio São Paulo, em 1973. Fonte: Arquivo Histórico Araci Borges.

O terreno, pertencente à Companhia Energética de São Paulo foi todo ele revolvido por máquinas. Os sitiantes e os primeiros moradores da região, conhecida até então como “Sete Pontes” foram levados para alojamentos no qual ficaram a mercê da autarquia até que pudessem encontrar novas moradias. Neste local, uma calamidade pública se instalou levando àqueles moradores a abandonarem o alojamento e refazerem as suas vidas longe dali. Não foi a primeira das idas e vindas que envolveram a construção do conjunto habitacional.            

Ausência de equipamentos que permitissem a pré-fabricação, a falta de recursos da CECAP para conclusão das obras, a falta de especialização da mão de obra e a infraestrutura zero no local, somados levou a um descalabro tamanho que os primeiros moradores, já pagando as mensalidades do financiamento, vieram morar sem luz, água e gás e ainda com as máquinas trabalhando. Isso era 1974.

Os primeiros moradores sofreram com as dificuldades iniciais. Desde ter que cruzar o pântano que se tornava os arredores para pegar um ônibus, até a falta de comércio local que permitisse o abastecimento. Tiveram que encontrar soluções. E neste sentido, o coletivo imperou.

Ao imaginar que os moradores firmassem uma vida comum, estimulados com os apartamentos padrões e os vãos entre os prédios, talvez os arquitetos responsáveis não pudessem imaginar o quanto uma ideia poderia se materializar. A vida no CECAP, com suas limitações e dificuldades, permitiu que seus moradores se unissem em torno de bandeiras locais, assim como no atendimento de demandas mínimas como saneamento, calçamento, luz e transporte.

O Centro Comunitário do CECAP foi durante muito tempo o centro da vida social dos moradores. Bailes, festas, campeonatos e reuniões foram realizados naquele espaço, erguido a força pelos moradores. Esse espírito coletivo permitiu inclusive que alguns logradouros do bairro levassem nomes de seus habitantes. Lembrados um a um, essas pessoas não foram o tipo de personalidades que batizariam logradouros naquela época. Moradores comuns, batalhadores da vida, tornaram-se símbolos da força comunitária local nas ruas que envergam seus nomes.

Próximo de novas intervenções urbanas, os prédios do CECAP são exemplares da arquitetura moderna e sua construção símbolo de uma busca de racionalidade e economia; seu complexo arquitetônico e urbanístico, ímpar na nossa paisagem urbana, é um dos mais relevantes patrimônios da cidade, pois é enriquecido com as histórias dos moradores que o fizeram um bairro de intensa vida comunitária. O CECAP agrega em si o desenvolvimento local, a relevância arquitetônica e a vida de seus moradores, convergindo para uma identidade singular. Valores tangíveis e intangíveis que denotam, assim, a necessidade de preservá-lo.

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