Padre Bento: um leprosário modelo

O Leprosário Padre Bento não é fruto de uma política nacional, e sim do chamado “modelo paulista”, e dentro desse próprio modelo, também pode ser considerado uma exceção, uma espécie de modelo dentro do modelo, o cartão de visitas do Departamento de Profilaxia da Lepra.

Não á toa, foi escolhido como cenário do filme “Onde a Esperança Mora” (Assista), produzido pela Carrari Filmes, em 1948, um curta, de aproximadamente 13 minutos.

O filme traz uma sequência de imagens com uma narração que tenta dar um tom de documentário, um ar científico. No início, retrata como seria a vida dos leprosos nos anos de 1920, mendigando a beira das estradas ou passando em casas, o leproso é representado por um homem de pele mais escura e malvestido, um pobre miserável, excluído socialmente. Em seguida, aparecem imagens da cidade de São Paulo nos anos de 1930, tida como um símbolo do progresso, com seus edifícios, pontes, indústrias, escritórios, e é nesse contexto que um homem branco, jovem e bem-vestido, descobre que está com hanseníase e é internado no Sanatório Padre Bento. Lá é bem tratado pelos médicos, bem alojado, desfruta das áreas esportivas e de lazer, paquera, dança, vai ao cinema, biblioteca etc., sempre na companhia de pessoas do mesmo perfil, sem chagas aparentes, com “boa aparência”, jovens e brancos. Passado um ano, é liberado para voltar ao convívio social, já curado.

O filme tem um caráter propagandista, utiliza o Sanatório do Padre Bento por ser o mais avançado estruturalmente e, claro, só foi feito em 1948 porque aí já havia a possibilidade de cura, as sulfonas foram introduzidas no Padre Bento em 1944, pelo Dr. Lauro de Souza Lima, então diretor. Não teria tanta aceitação um filme que não terminasse com a cura, que mostrasse apenas a exclusão pela exclusão, o que ocorreu na maior parte da existência dos leprosários, até chega a mostrar rapidamente os tratamentos torturantes, feitos com centenas de injeções de óleo de chalmogra nas manchas, o que de nada adiantava, mas isso só serve como ponto inicial para demonstrar os avanços feitos e ressaltar ainda mais a excelência que haviam atingido a época.

Fundado no ano de 1931, o Sanatório do Padre Bento segue um caminho oposto ao proposto por Foucault como forma de controle social. Para o autor, os manicômios surgem para substituir os leprosários como mecanismo de controle e higiene social, entretanto, no caso do Padre Bento, ocorre exatamente o contrário. Claro que o autor trata da sociedade francesa do século XVIII e XIX, mas é possível encontrar semelhanças no que tange a utilização do discurso médico para controle da população.

O sanatório é inaugurado como uma instituição para tratamento de doentes mentais, o Sanatório São Paulo e, logo em seguida, em 5 de junho do mesmo ano, adquirido pelo Estado e transformado no Sanatório do Padre Bento (SPB), para internação compulsória e tratamento de leprosos, contando nesta data com 83 pacientes.

O Sanatório era apresentado como o que havia de mais moderno e até mesmo humano no combate a lepra, mas de fato o Padre Bento e, consequentemente, Guarulhos serviram como uma espécie de apêndice para o desenvolvimento da cidade de São Paulo, um local onde as elites e o governo paulista acomodavam aquilo que não era mais bem-vindo dentro do ideal de modernidade e de trabalho trazidos com os edifícios e com as fábricas dos anos de 1920 e 1930.

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