Crime em Guarulhos: Honra, terras, sangue e morte em 1919

Crime em Guarulhos abala o Estado de São Paulo, o homicídio teve como mandante o proprietário da Fazenda Invernada e, o assassinado era o dono da Fazenda Cumbica.

O motivo de escrever este artigo é para analisar aquela máxima do senso comum que diz que Guarulhos só vira notícia quando acontece um crime. Assim, revolvi pesquisar algumas matérias de jornais antigos.

Nas buscas do arquivo do jornal “O Estado de S. Paulo” encontrei a matéria de 25 de agosto de 1919 com o título “O Crime de Guarulhos”, então resolvi abordar este acontecimento.

O mandante foi João de Siqueira Bueno, de 37 anos de idade, lavrador, nascido no Distrito de Taboão (atualmente bairro), proprietário da Fazenda Invernada, conhecido como “João Invernada”.  

A vítima o “coronel” Abílio Soares, de 68 anos de idade, nasceu em Portugal, mas era naturalizado brasileiro. Ele foi vereador da Câmara de São Paulo, era proprietário de terras em Cananéia e em outros locais espalhados pelo estado, inclusive o terreno onde é o Parque do Ibirapuera, além da Fazenda Cumbica.

O terceiro envolvido foi o executante do crime, o João de Sant’anna Ferreira, 37 anos de idade, conhecido como caçador profissional e utilizava pólvora branca, esta característica na munição foi crucial para a investigação chegar até ao assassino.

Investigações para descobrir os criminosos

O crime ocorreu no domingo de 24/08/1919, quando Abílio Soares por volta das onze e meia foi atingido por tiro de espingarda, na Estrada de Conceição de Guarulhos. Os fragmentos da bala atingiram o rosto, o pescoço e o lado esquerdo do peito, além da atingir seu funcionário José Felix, que guiava a carroça.

Segundo o inquérito organizado pelo delegado Alonso Guimarães, Abílio tinha a rotina conhecida de vir para Guarulhos aos sábados e voltar para São Paulo, no domingo.

A vítima saía da Fazenda Cumbica seguia de carroça guiada por burros e, pegava o trem na Estação Guarulhos para seguir até sua residência na Cidade de São Paulo, exatamente na rua Bandeirantes.

Antes de fechar o inquérito, o delegado tinha levantado que o crime poderia ser motivado por honra, já que a filha do administrador da Fazenda Cumbica, teve um caso com Abílio Soares.

Conforme descrito no jornal “O Estado de S. Paulo”, quando a menina tinha apenas 15 de idade, Abílio Soares pediu-a em namoro para o pai, o administrador Hermelino Ribeiro de Camargo, que de primeira negou, mas com a insistência acabou permitindo.

Segundo ainda consta na matéria, apenas depois do consentimento o proprietário da Fazenda Cumbica se tornou noivo da menina, mas o casamento nunca aconteceu.

Quando a menina completou a maioridade, Abílio engravidou-a e, o senhor Hermelino só descobriu meses antes do nascimento do neto. O pai da criança negou o registro civil, mas garantiu que cumpriria o combinado de casamento.

Quando o crime ocorreu em 1919, a criança já tinha dois anos e meio e, o administrador Hermelino já tinha perdoado o patrão e aguardava o cumprimento da promessa de casamento.

Acampamento do 43° Batalhão de Caçadores (São Paulo) em treinamento na então Fazenda Cumbica, em Guarulhos em 1919. Acervo: São Paulo Antiga.

Finalização do inquérito

O delegado Alonso Guimarães fechou o inquérito descartando a suspeita de crime por honra, mas o verdadeiro motivo eram as desavenças por terras.

O proprietário da Fazenda Invernada, João de Siqueira Bueno, já estava detido desde o dia do crime. Na noite de domingo mesmo já estava prestando depoimento.

O coronel Abílio foi pego de emboscada quando a carroça puxada por burro estava em momento de baixa velocidade, pois era uma subida. Por causa do estampido do tiro, o animal saiu em disparada.

O burro foi parar a cerca de 300 metros do local da emboscada, em um armazém. João Invernada estava por lá desde às dez horas da manhã, assim, ele só poderia ser o mandante do crime.

Quando carroça chegou no armazém o coronel já estava sem vida. José Felix que guiava a carroça estava ferido sem gravidade, porém ele notou a satisfação de João pela morte do proprietário da Fazenda Cumbica.

Nos depoimentos colhidos pelo delegado Guimarães constava a informação acima. Porém, o depoimento de José Maurício de Oliveira Sobrinho, que era delegado de polícia em Guarulhos, foi crucial.

José Maurício já tinha intimado João para esclarecer as ameaças de morte feitas para Abílio Soares.

Descoberto o possível mandante, era necessário achar o assassino. A pista era a espingarda de grosso calibre e a munição de pólvora branca. A pista foi facilmente comprovada, pois apenas o João de Sant’anna Ferreira tinha este tipo de arma na região.

Tanto João de Siqueira Bueno, quanto João de Sant’anna Ferreira confessaram a participação do Crime em Guarulhos.

Mapa completo da Fazenda Cumbica.

Motivação do assassinato

O coronel Abílio Soares não era bem-quisto em Guarulhos, pois seu poder ultrapassava os limites da cidade. Ele era antigo capitalista e ex-vereador conhecido por todo Estado de São Paulo.

A Fazenda Cumbica foi adquirida após troca por uma terra em São Bernardo. Assim, o também ex-vereador, João Alves de Siqueira Bueno fez a troca com o coronel Abílio.

A Fazenda Cumbica ficava entre outras propriedades dos herdeiros de Antônio José de Siqueira Bueno de quem João Alves havia recebido a herança.

Assim, entre as terras que eram apenas de familiares chegou um estranho que causou desgosto aos outros herdeiros e sucessores, principalmente ao lavrador João de Siqueira Bueno, conhecido por ser rude e simples.

As fazendas Cumbica e Invernada pertenciam aos Siqueira Bueno e a divisão de área de cada propriedade nunca foi muito clara, assim com a venda das terras de Cumbica se inicia as discórdias que resultariam no assassino de Abílio Soares.

Este artigo sobre o intitulado “Crime em Guarulhos” mostra os problemas de divisões de terra que sempre rondaram a história da nossa cidade. Após o assassinato, a briga sobre a área da Fazenda Cumbica ficou com a família Soares que também teve desentendimentos com seus herdeiros e, continuam na justiça, reivindicando os direitos pela área onde atualmente é o Aeroporto Internacional de Cumbica. Mas isso é outra história.

Fonte:

https://vejasp.abril.com.br/cidades/abilio-soares-familia-briga-por-heranca/

https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19190827-14846-nac-0004-999-4-not/tela/fullscreen

https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19190829-14848-nac-0004-999-4-not/busca/Jo%C3%A3o+Siqueira+Bueno

https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19190827-14846-nac-0004-999-4-not/busca/CORONEL+AB%C3%8DLIO+SOARES

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