O senhor Cristiano Francisco de Jesus
A história é feita pelos seus grandes personagens e os grandes acontecimentos. O leitor deve estar se perguntando: quem é o cidadão com o nome acima? Será que ele foi um personagem marcante de nossa história? Prefeito?
O Senhor Cristiano Francisco de Jesus morou durante 76 anos na cidade de Guarulhos. Foi despejado e despojado de sua propriedade em nome do progresso. Faleceu longe do lugar em que foi criado.
A partir da figura frágil do senhor Cristiano Francisco de Jesus, em seu caminhar trôpego, é possível formular algumas perguntas sobre o nosso passado e, quem sabe, ensaiar algumas respostas ainda que provisórias, sobre o nosso presente.
Em seus estudos sobre evolução populacional na cidade de Guarulhos, o professor da UESC (BA) Casé Angatu apresenta um dado interessante dos números da nossa população.
Apenas na década de 1940 é que o número de guarulhenses passou de 13.439 pessoas para 35.523 pessoas. Estamos tratando de uma cidade cuja maioria dos habitantes é originada de outras regiões do Brasil. Nesse sentido, muitas vezes a sua memória está mais associada ao local de origem do que propriamente à cidade que o acolheu. Tão representativo deste dado é um estabelecimento no bairro do Bela Vista que leva o nome de “Casa do Norte do Mineiro”.
De um lado, a vitalidade de uma metrópole poderosa, exigindo a construção de uma memória que exalte sua força e riqueza; de outro, resistindo com suas parcas forças, deixando pequenas ranhuras sob a passagem do rolo compressor da “história”, a singularidade humana dos que escapam ou são postos à margem desse processo, nos dando um testemunho mudo de sua experiência.
No entanto, nessa tentativa de se compreender de maneira mais abrangente a história de Guarulhos, voltamos nossos olhos à figura frágil, tão frágil quanto nossa memória, do senhor Cristiano.
Ele criou seus sete filhos numa região que era o interior do atual centro da cidade de Guarulhos durante setenta anos. O lugar é hoje conhecido como bairro do Parque Cecap. Teve as margens do Baquirivu-Açu e o clima temperado da região como provedor da sua subsistência.
A sua luta pela sobrevivência ao vender hortifrúti para os moradores do Cecap ou mesmo ajudar na construção dos prédios, não foisuficiente para garantir a sua permanência e moradia. Na falta de títulos de posses ou de diplomas escolares, o senhor Cristiano foi uma testemunha ocular na região: presenciou a chegada e a instalação da Base Aérea, da linha do trem da Cantareira, da Dutra, do Cecap, do Aeroporto, e ainda as primeiras metragens em torno do ramal da CPTM e do Terminal Rodoviário. Foi levado para longe do espaço de onde construiu sua vida e suas memórias. E não restam dúvidas de quem fará parte da “história” nesse episódio: o Fórum de Guarulhos, símbolo da justiça e da defesa dos nossos direitos, que será erguido sob os escombros da sua última chácara.
Cristiano Francisco de Jesus não se tornará nome de rua e nem terá placa de museu. Não fulgurará como vulto eterno em nosso hino porque a história escrita pelos vencedores eterniza “heróis”, prédios e monumentos. E quando não, as derruba também em nome do progresso. Na contracorrente, seguimos em frente.
*Cristiano Francisco de Jesus, 81 anos, foi despejado de sua casa, no Parque Cecap, onde morou desde os seis anos, no dia 7 de abril de 2009. No local, ainda será construído o novo Fórum de Guarulhos. A reintegração de posse foi solicitada pela CDHU. Foram desalojadas também sua mulher e as duas famílias de seus filhos. O órgão do governo do estado lhe providenciou nova residência no bairro dos Pimentas. Senhor Cristiano faleceu em fevereiro de 2011.
** esse texto foi adaptado do original, publicado em 2009 no jornal Diário de Guarulhos.