Placa de homenagem ao Soldado Constitucionalista

Um dos primeiros jazigos a serem notados pelos visitantes ao adentrarem no cemitério São Judas Tadeu, no bairro do Picanço – Guarulhos – SP, é o mausoléu da Polícia Militar (PM) do Estado.

Localizado a poucos metros adiante da entrada, à esquerda, eles certamente se aproximarão do jazigo para percebê-lo melhor. Notarão ao lado dele, na grama da quadra, uma pequena placa, na qual se lê:

AO SOLDADO CONSTITUCIONALISTA HOMENAGEM DO POVO DE GUARULHOS – 1975

Placa em Homenagem. Acervo: AAPAH/Julio Bueno

Considerando a sua localização, ao lado do mausoléu da PM, os visitantes certamente cogitarão que há soldados constitucionalistas sepultados no jazigo.

Afinal, nos eventos que rememoram a Revolução Constitucionalista de 1932, a PM paulista é um dos principais atores presentes nos atos em memória do conflito, visto que sua filiação, no ano de 1970, surgiu da unificação da Guarda Civil e da Força Pública de SP, corporação que lutou pela chamada causa paulista em 1932.

Pode reforçar tal ideia, um texto de um memorialista e membro da Academia de Letras Guarulhense1, que afirma que no espaço onde se encontram os monumentos citados, há soldados constitucionalistas inumados, em um artigo publicado na internet. 2

A placa remete à Revolução Constitucionalista de 1932, evento que a data magna do Estado de São Paulo, o dia 09 de julho de 1932, rememora e celebra.

Neste dia, segundo o ideário paulista, o Estado Bandeirante assumiu a missão de libertar o Brasil da ditadura, o assim chamado Governo Provisório de Getúlio Vargas, instituído após a Revolução de 1930.

Mausoléu da Policia Militar. Acervo: James Bispo.

Segundo esta narrativa, São Paulo pegou em armas para o Brasil ter uma Constituição, apesar da promessa de Vargas de uma Constituinte para 1933. A Revolução de 1932 foi objeto de vasta literatura memorialística e de inúmeros trabalhos historiográficos, que entre várias interpretações, discute o evento desde como uma reação à perda do poder político de São Paulo depois de outubro de 1930, a um inflamado e vigoroso movimento civil de luta em busca de constitucionalização do país e da remoção do ditador Vargas; sendo um movimento orgânico das massas que acorreram ao alistamento voluntário, ou ela teria sido manipulada pela elites paulistas para engajarem-se na luta contra Vargas, entre outras interpretações.

O evento estabeleceu-se na memória social como um grande sacrifício do Estado Bandeirante contra o governo provisório de Vargas, onde os paulistas deram demonstrações heroicas na luta, que segundo narrativa constituída ao longo das últimas décadas, faziam jus aos “heróis bandeirantes”.

A memória social sobre 1932 materializou-se em monumentos, mausoléus, nomes de logradouros que remetem aos principais eventos do movimento armado, como rua ou Avenida nove de julho, 23 de maio, MMDC, entre outras designações, em diversas cidades paulistas.

A Cidade de Guarulhos, emancipada há poucas décadas da capital do Estado no momento do conflito, engajou-se na luta contra Vargas, mobilizando autoridades e população no esforço de guerra.3

Entre vários desdobramentos locais em razão do conflito, estão os comícios, a inscrição de voluntários para lutar no front, eventos religiosos, listas e quermesse de arrecadação de donativos e a constituição de um batalhão de voluntários para patrulhar a cidade.

Ao considerarmos estes fatos, entendemos ser plausível a suposição de que guarulhenses tombaram no conflito de 1932.

Mas quando o historiador depara-se com este tipo de monumento, o mausoléu e a placa de homenagem, este lugar de memória, a sua mente logo começa a elucubrar.

Quem são os guarulhenses (ou mesmo outros paulistas) que lutaram e podem ter perecido pela Revolução, que supostamente estão no jazigo da PM?

Seriam alguns dos três funcionários da Prefeitura de Guarulhos, licenciados para lutarem conforme João Ranali4 apontou ou algum dos voluntários que partiram para a luta conforme o Guarulhos-Jornal5 noticiou?

A busca por esta resposta levou-nos a diligências no Arquivo Municipal de Guarulhos, Serviço Funerário Municipal e Departamento de Microfilmagem de Guarulhos, no qual encontramos o Processo 11090-1998, que permite-nos traçar uma história (com lacunas) do jazigo da placa de homenagem.

O processo inicia-se com um ofício da Polícia Militar (PM) do Estado de São Paulo de 13 de abril de 1998 à Prefeitura de Guarulhos, solicitando a concessão da quadra, onde se encontra o mausoléu e a placa, pois segundo informações verbais, o espaço encontrava-se legalmente cedido à Base Aérea de São Paulo (BASP).

Considerando que no jazigo “[…] encontram-se sepultados apenas corpos de Policiais Militares mortos em serviço, conforme acordo ocorrido há anos […] 6”, a PM solicita a regularização da cessão.

A partir do ofício inicia-se o levantamento de informações sobre os inumados do jazigo e documentos que confirmassem que o espaço estava cedido pela Prefeitura à BASP, conforme citado no ofício.

O processo apura que os sepultados no jazigo são PMs mortos em serviço, cujos enterros se deram na década de 1990.7

Como não há documentação sobre a quadra do jazigo e nem sobre a suposta concessão à BASP, esta é oficiada pela Secretaria de Serviços Urbanos para enviar o chamado “instrumento legal” que outorgou o jazigo a ela, objetivando “[…] restaurar a documentação referente aquele jazigo, […]”8

Atendendo o ofício, a BASP informa que a Lei Nº 1156 de 1965, autorizou a Prefeitura de Guarulhos a realizar a doação das sepulturas 35 e 36 da quadra 2 A, e em 31 de março de 1966, a municipalidade emitiu uma carta de concessão perpétua ao Ministério da Aeronáutica das referidas sepulturas,“[…] destinando-se a construção do Mausoléu do Aviador.”9

Tendo obtido o número da carta de concessão, a SDU determina […] o levantamento detalhado da concessão, bem como o estado em que se encontra […].10

A apuração revela que a quadra e as respectivas sepulturas cedidas originalmente foram substituídas pela carta de concessão Nº 5.218, que as permutou pelas 13a e 13b da quadra 12, Informando que nesta quadra “[…] encontra-se um jardim e uma árvore plantada.”11

Como a apuração esclarece que a quadra concedida à BASP não é a mesma em que se encontra o Mausoléu da PM, e que não se encontrou documentação referente a quadra do mausoléu, a Prefeitura decide formalizar a entrega da quadra a PM, pela carta de concessão Nº 7589, datada de 28 de julho de 1998.

O processo visa estabelecer a documentação do espaço do mausoléu, e com isso, a sua história, mas a averiguação do processo, como já citado, não identificou documentação sobre a quadra do monumento.

Deste modo, há uma lacuna sobre a placa de homenagem sobre quem seriam os agentes que propuseram a instalação da placa na quadra.

Respondendo à questão inicial sobre o jazigo, se havia realmente combatentes guarulhenses do conflito de 1932, a investigação demonstrou que não, tendo por critério a documentação existente a respeito da quadra onde ela se encontra.12

Desde a Lei 2.138 de 15 de junho de 1977 até à década de 1990, não há registros de que na quadra houve sepultamentos.

O mausoléu e a placa são um lugar de memória, assim como são arquivos, cemitérios, celebrações, monumentos, museus, entre outros, um elemento concreto da memória social que é constituída de forma intencional ou não, ao qual se atribuem significados e representações que habitam o imaginário de um grupo social, conferindo-lhes identidade e pertencimento.

Joël Candau (2014, p. 24) afirma que a memória social “[…] é uma representação, uma forma de metamemória, quer dizer, um enunciado que membros de um grupo vão produzir a respeito de uma memória supostamente comum a todos os membros desse grupo.”

Pierre Nora (1993, p. 09) declara que “ A memória emerge de um grupo que ela une, o quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada.”

A placa em memória dos soldados constitucionalistas ilustra estes conceitos, criando e consolidando uma memória social dos eventos de 1932 na cidade de Guarulhos. e/ou nas pessoas que frequentam o espaço onde ela está localizada.

Fontes bibliográficas

GUARULHOS – JORNAL. Guarulhos: Guarulhos – Jornal, 1932, edições 01, 02,04,07,08,09. Arquivo Histórico Municipal de Guarulhos.

Guarulhos. Lei 2.138 de 15 de junho de 1977. Disponível em https://www.guarulhos.sp.gov.br/06_prefeitura/leis/leis_download/02138lei.pdf. Acesso em: 10 de jan. 2025

Guarulhos. Secretaria de Serviços Públicos. NUP 03151.2024.000010-95. 2025

Processo 11090/.1998. CPAM7-075/05/98 Regularização da cessão de jazigo a Polícia Militar

Tamassia, Plínio Tomaz. Ensaios, histórias, crônicas e biografias. 2019. Disponível em: https://www.pliniotomaztamassia.com/. Acesso em: 10 de jan. 2025

Referências bibliográficas

CANDAU, Joël. Memória e Identidade: do indivíduo às retóricas holistas. In Memória e Identidade. SP. Contexto, 2014.

“Conceição, James Bispo da. “O meu sangue é genuinamente paulista”: Uma história do Movimento Constitucionalista de 1932 em Guarulhos e a memória da Revolução Constitucionalista na cidade. 2018. 67 f. Trabalho de Conclusão – Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, SP. Disponível em: http://repositorio.unifesp.br/handle/11600/49156. Acesso em:Acesso em: 10 de jan. 2025

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP. N° 10, p. 12. 1993 6 RANALI, João. Cronologia Guarulhense: Guarulhos, Da cruz implantada no alto do Eperê, em 08 de dezembro de 1560 à eclosão da Revolução de 1964, 1 v.: Artes Gráficas Guaru S/A,1986.

  1. Plinío Tomaz Tamássio . Acesso em 09/12/2023 ↩︎
  2. Disponível
    em:<https://1c518798-9d5c-42d0-b2f8-542a2711a3b0.filesusr.com/ugd/0573a5_917b0d6f34da4e1ea
    5fbe361c6cd5808.pdf
    , p. 89. Acesso em 18/09/2024 ↩︎
  3. Para mais detalhes sobre o Movimento Constitucionalista de 1932 na Cidade de Guarulhos,“O MEU
    SANGUE É GENUINAMENTE PAULISTA”: UMA HISTÓRIA DO
    MOVIMENTO CONSTITUCIONALISTA DE 1932 EM GUARULHOS E A MEMÓRIA
    DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA NA CIDADE, Disponível em
    http://repositorio.unifesp.br/handle/11600/49156 ↩︎
  4. RANALI, JOÃO. Cronologia Guarulhense: Guarulhos, Da cruz implantada no alto do Eperê, em 08 de dezembro de 1560 à eclosão da Revolução de 1964, 1 v.: Artes Gráficas Guaru S/A,1986.p. 109. ↩︎
  5. GUARULHOS – JORNAL. Guarulhos: GUARULHOS – JORNAL, 31/07/1932, p. 3 , 18/09/1932, p.3. ↩︎
  6. Processo 11010-98, p. 1. ↩︎
  7. Processo 11010-98, p. 6. ↩︎
  8. Idem, p. 7 ↩︎
  9. Idem, p.11 ↩︎
  10. idem, p.13 ↩︎
  11. idem, p.13 ↩︎
  12. Em outubro de 2022, foi instalado uma lápide com os nomes do PMs sepultados no jazigo. ↩︎
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