A destruição do patrimônio cultural em Brasília
Os episódios ocorridos no último domingo (08/01/2023) em Brasília-DF, quando golpistas travestidos de manifestantes avançaram sobre o centro do poder e das instituições democráticas do Brasil na tentativa de estimular um golpe de estado, não tiveram apenas a força simbólica de tentar sublevar o resultado das últimas eleições, mas também a ação delituosa e criminosa de depredação de vários bens que compõem o patrimônio histórico nacional. As imagens que nos chegam são desoladoras e revelam total desconhecimento, desrespeito e violência sobre quadros, esculturas, instalações, bustos etc.
Além dos inúmeros acervos nos interiores, os seguintes edifícios: o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal, o Museu da Cidade e Espaço Lúcio Costa, além da Praça dos Três Poderes eram tombados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)
Muita coisa foi destruída. As fotos que compõe essa reportagem e retiradas do site do IPHAN mostram parte desta destruição.
Danos irreparáveis
Não há ainda um valor estipulado dos danos causados. Mas estima-se que na reparação dos danos feitos no Senado, um dos lugares atingidos com menos virulência por parte dos terroristas, custará cerca de 4 milhões de reais. No Palácio do Planalto e STF ainda vai depender da análise e perícia. Já se tem informação de dois itens que não poderão mais ser restaurados:
• Relógio do século XIX dado de presente ao Imperador Dom João. O valioso artefato foi fabricado pelo relojoeiro francês Balthazar Martinot, relojoeiro de Luis XIV e há uma assinatura dele na peça com design de André-Charles Boulle. O valor desta peça é inestimável pois só existe um outro similar no Museu do Louvre, na França.
• O quadro As Mulatas, do pintor Di Calvanti que era a principal peça do Salão Nobre no Palácio do Planalto. O valor do quadro está estimado por alguns leiloeiros em 8 milhões de reais.
Outros itens depredados também contêm alguns simbolismos importantes, como:
• A escultura em bronze “O Flautista”, de Bruno Giorgi, totalmente destruída;
• As vidraças projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer;
• A escultura de parede de madeira de Frans Krajcberg, destruída em várias partes;
• Os quadros que compõem o corredor de acesso as salas dos ministérios do Palácio do Planalto, muitos vandalizados e destruídos;
• As cadeiras do Supremo Tribunal Federal, projetadas pelo arquiteto e designer polonês Jorge Zalszupin, judeu sobrevivente do Holocausto e que se mudou para o Brasil; entre outras.
Negacionismo e fanatismo
Todo regime fanatizado e extremistas tenta não apenas derrubar o sistema político por meio da força, mas também destruir os símbolos da diversidade cultural em nome da tentativa de estabelecer uma homogeneidade cultural. O governo federal que se foi, deixou escapar durante os quatro anos que isso era uma vontade, visto que repetidas vezes a ação da falecida Secretaria Especial de Cultura foi na tentativa de destruir todo o Sistema Nacional de Cultura. O que assistimos no último domingo foi a culminância ignóbil dos últimos quatro anos.
A ação revela o profundo desprezo que a extrema direita brasileira tem pelo Patrimônio Cultural do país. Isto foi levado a cabo com violência brutal e grotesca, pois chegaram a urinar em alguns quadros e as sete facadas no quadro de Di Cavalcanti revelam uma crueza torpe.
No documentário Arquitetura da Destruição, de Peter Cohen, a estética nazista é revisitada quando da tentativa de estabelecer um ideal ariano de cultura, à custa da total destruição daquilo que Adolf Hitler chamava de arte degenerada: o cubismo, o dadaísmo e toda a arte moderna. A destruição deliberada da diversidade foi uma das antessalas do holocausto. Não passarão.
PS: Feliz 2023.