Guarulhos e a Ditadura Militar: Um guia para entender o período
Neste ano completamos 59 anos do golpe cívico-militar no Brasil. Na noite de 31 de março para 1º de Abril, as tropas do General Olimpio Mourão Filho chegaram ao então estado da Guanabara na madrugada do dia da mentira dando início ao movimento. O presidente João Goulart deixa o país para evitar um banho de sangue. O Brasil teve uma ditadura que durou 21 anos.
Oferecemos neste texto alguns elementos para entendermos os reflexos no cotidiano da cidade durante o período da ditadura. Tarefa sempre complexa, pois a ditadura no Brasil como todas as ditaduras do mundo, se cobriu de uma institucionalidade política que dava sustentação e “legitimidade”. Logo, as violações de direitos humanos cometidas pelo estado serem absorvidas como algo comum e corriqueiro. Clivado de contradições, éramos um país que não elegia a maioria dos cargos executivos e políticos eram cassados, ao mesmo tempo em que a necessidade de funcionamento da máquina pública demandava regularidade e atividade de outros políticos; uma país em que se uma minoria pegava em armas para enfrentar os militares e derrubar o regime, outra parte assimilava o medo do cotidiano e de temor, metaforizado na “Veraneio Vascaína” da música da banda Capital Inicial.
O objetivo deste texto é oferecer um guia rápido de alguns episódios ocorridos na cidade de Guarulhos durante a ditadura militar que passam despercebidos muitas vezes. Recomendamos a leitura do livro “Os Anos de Chumbo em Guarulhos – Uma História Não Contada”, do jornalista Wellington Alves que serviu de base para algumas das reflexões aqui promovidas.
OS VERSÁTEIS
Trata-se de uma banda criada na década de 1960 em Guarulhos, que de suas matinês nos clubes Recreativo, Náutico e dos Bancários, ganharia os palcos de São Paulo. Chamavam-se assim por serem realmente versáteis musicalmente. A turma flertava com o rock da Jovem Guarda, como também com a Bossa e outros gêneros; um fiel representante da música jovem instrumental dos anos 1960. Um dos seus integrantes foi preso inúmeras vezes. Inclusive com a companheira sendo torturada no DOPS. Ainda em 1968, a banda fica marcada pelas perseguições aos integrantes, não havendo lugares mais para tocar. Vale a pena conhecer o disco “Uma noite no Urso Branco”, de 1966.
MORTE DE IZIDIO CABRAL DE JESUS
Ainda na década de 1960 tivemos o assassinato de Izidio Cabral de Jesus, ou o suicídio como afirmam os documentos oficiais. Presidente do Sinconverg. O sindicalista foi encontrado morto dentro do seu escritório que ficava no centro de Guarulhos com uma arma no chão. A família desconhecia o hábito de Izídio de brincar com revólveres. Uma denúncia nunca apurada era de que um comandante da Base Aerea soube do assassinato afirmando que “morreu aquele comunista”. Seu caso nunca foi reaberto.
A RUA 57, CASA 12
A “Rua 57, casa 12” os lugares de memória esquecidos da Ditadura em Guarulhos. Um episódio pouco conhecido do aparelho da VPR em Guarulhos ficava situada na Rua 57, casa 12. Essa referência aparece algumas vezes na base de dados do Brasil Nunca Mais. Os aparelhos, os locais de esconderijos das guerrilhas urbanas, eram propositalmente secretos para driblar os organismos oficiais. Sobre esconderijos ainda, uma outra citação é um lugar que ficava no Jardim Paraventi e possivelmente abrigou Carlos Mariguela algumas vezes.
O ASSASSINATO DE NEGO SETE
A morte de Nego Sete também é bem conhecida. Conforme a relatoria da Comissão da Verdade de Guarulhos.
Na manhã do dia 23 de novembro de 1968, uma caravana de policiais, em duas peruas com chapas frias, e dois Volks, localizou a residência (um quarto numa sala de cômodos) de Antonio de Sousa Campos, conhecido como Nego Sete, na Vila Fátima na cidade de Guarulhos. Ao dono da casa de cômodos disseram que pertenciam ao Esquadrão da Morte e que iriam liquidar Nego Sete, pela sua (suposta) condição de perigoso bandido. Sob o comando de Sergio Paranhos Fleury e de Alberto Barbour distribuíram-se pelos aposentos. (RELATÓRIO DA COMISSÃO DA VERDADE, 2013, p. 10)
Tocaiado pelos policiais, Nego Sete foi alvejado com 12 balas e o corpo largado em alguma parte da atual Rodovia Dutra. Graça a ação do Padre Geraldo Manzeroll que fotografou a ação do Esquadrão da Morte, o crime chegou a ser levado a júri popular com a condenação de todos os policiais envolvidos. Porém, o próprio pároco precisou fugir do país por conta da perseguição e não houve perdão do estado a família de Antonio de Sousa Campos. O julgamento do Esquadrão da Morte foi um marco na luta contras as violações de estado, porém a famigerada “Lei Fleury” levou ao cancelamento do júri e o afastamento do promotor Hélio Bicudo do caso em 1973.
PERSEGUIÇÃO A PROFESSORES
A perseguição de professores teve em Guarulhos um capítulo dramático. O Decreto Lei 477 de 1969 proibia aos professores qualquer tipo de manifestação política ou de expressão de solidariedade a qualquer ato considerado “subversivo”. O leque de possibilidade era gigantescos e atingia indiscriminadamente muitos professores. É de imaginar que muitas coisas poderiam ser taxadas de “subversivas”. O processo de apuração era sumário, em 48 horas o professor deveria se defender. O responsável pela apuração era o dirigente máximo da instituição, que também receberia a denúncia em tempo recorde devendo se pronunciar rapidamente, com pena do próprio sofrer as consequências. Após o rápido escrutínio, se providenciava a pena que seria a perda do cargo e a proibição de lecionar.
O absurdo dispositivo foi revisto apenas em 1979, mas durante dez anos penalizou centenas de professores Brasil afora, e um deles foi o professor Laércio Barros dos Santos, do Colégio Claretiano. Cabe ressaltar, que no caso em tela, o professor de Guarulhos teve seu processo levado a justiça militar e a pena não foi “apenas” a demissão.
Em 1969 o professor Laércio ministrava aulas de religião e durante um trabalho para turma indicou livros que tratavam sobre temas como desigualdade, guerra, miséria, subdesenvolvimento, etc.
Ocorria que muitos alunos do Colégio Claretiano eram filhos de militares da Base Aérea de Cumbica, situada em Guarulhos e provavelmente o comentário ocasional sobre o dia na escola do filho para o pai (ou mãe), levou o professor a grandes apuros.
Após ser denunciado, um processo penal militar foi instaurado. Durante todo o processo em que ficou preso, sob tortura, o professor confessou sua ligação com movimentos sociais e sua atuação política. Entretanto, toda a documentação dos depoimentos do professor Laércio, colhido sob tortura, ficou em torno dos temas de pesquisa apresentado: “O papel do estudante na sociedade atual” e “O mundo de hoje”. Como prova do crime, o caderno dos estudantes.
O professor Laércio foi condenado por lecionar filosofia política ligada ao marxismo e por apresentar o conteúdo em sala de aula. Condenado a doze meses de reclusão, o docente teve sua pena extinta conforme a lei 6683/79 – Lei de Anistia.
OS LOGRADOUROS E AS HOMENAGENS AOS MILITARES
Por fim, houve muitas homenagens dadas. Jean Pierre Hernand quanto interventor militar resolveu homenagear vários militares mortos durante a segunda Guerra Mundial. Outra homenagem conhecida é o nome de rua dada ao Anel Viário, Av. Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro ditador-presidente da ditadura.
PAPEL DA BASE AÉREA DE CUMBICA
Vamos elencar apenas algumas situações que a documentação existente aponta do papel da Base Aérea na relação da cidade de Guarulhos.
- Prisões e inquéritos contra militares da aeronáutica que não apoiavam o golpe de estado em 1964
- Prisão dos estudantes do ITA- São José dos Campos
- Prisões de dez pessoas de Araçatuba
- Prisão do deputado estadual Dr. Leoncio Ferraz Jr
- Bisbilhotices da vida cotidiana de Guarulhos