Comunidade Anita Garibaldi
História, Lutas Sociais e Resistência na Periferia de Guarulhos
No dia 19 de maio de 2024, a Comunidade Anita Garibaldi completou 23 anos de existência. Marcada por lutas pelo direito à moradia e a Reforma Urbana em Guarulhos, Anita Garibaldi hoje é uma das maiores comunidades da periferia da cidade.
A comunidade Anita Garibaldi, também conhecida como “Favela do Jagatá” ou “Jagatá”, fica localizada na Região do Ponte Alta[1], no Bonsucesso, em Guarulhos. É uma das maiores comunidades da região, ocupando cerca de 250 mil metros quadrados de extensão. Também foi uma das maiores ocupações do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), além de ter sido uma das primeiras ocupações organizadas pelo movimento, que luta pelo direito à moradia e à vida digna aos trabalhadores.
O surgimento da comunidade está ligado diretamente às lutas pelo direito à moradia em Guarulhos. O MTST liderou a ocupação da área que, até então, servia como desova de carros, de cadáveres e atendia a interesses do latifúndio. A ocupação do terreno de aproximadamente 250 mil m²[2], ocorreu na madrugada do dia 19 de maio de 2001. A ocupação já estava sendo planejada há alguns meses antes.
O cotidiano dos moradores na ocupação é retratado no documentário “Anita Garibaldi: um Acampamento (2013)” e no filme “Ocupação Anita Garibaldi (2001)” Realizados nos primeiros meses da ocupação, neles é possível observar as formas de organização e resistência num momento de apreensão e constante intimidação da polícia militar que aterrorizava os moradores. Farmácia, cozinha, escola comunitária, alguns barracos com hortas estavam presentes no acampamento, e foram sendo formados vários grupos de trabalho que auxiliaram na construção dessas atividades. A assembleia geral e reuniões que eram realizadas na ocupação, buscavam manter informados os moradores sobre os andamentos da regularização do terreno e na tomada de decisões importantes.
As ruas foram abertas sem qualquer ajuda de máquinas. Foram os próprios moradores utilizando enxadas e a força do braço que abriram as ruas capinando o mato. A população contou com o auxílio de estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) no processo de arruamento do terreno. Como bem traz Hector Benoit (2002) em um artigo que entrevista Alex, um dos membros do MTST no Anita Garibaldi, jovens da FAUUSP auxiliaram os moradores no processo de organização espacial do acampamento:
“No Anita Garibaldi, neste acampamento, a companheirada da FAU está auxiliando bastante. Essa é uma juventude muito importante, tem uma preocupação com os outros. Temos muitos problemas que eles nos ajudam a resolver, principalmente a estruturação do acampamento”. Depoimento de Alex. (BENOIT, 2002, p. 145)
Um ponto que chama a atenção quando falamos do Anita Garibaldi e que chamou a atenção da imprensa na época, é o nível de organização espacial da ocupação. Nos jornais Folha de S. Paulo e Diário do Grande ABC, por exemplo, ambos destacaram a construção dos lotes bem definidos e o arruamento realizado no terreno. A organização espacial teve contribuições dos estudantes da FAUUSP.
A imprensa – especialmente a imprensa guarulhense – também foi responsável por disseminar boatos sobre o acampamento. No documentário “Ocupação Anita Garibaldi” (2001), dois acampados falam sobre as razões pelas quais jornalistas não podiam entrar dentro da ocupação. A proibição da entrada foi decidida em assembleia geral e tinha como objetivo, evitar o surgimento de boatos maldoso que já ocorriam nos primeiros meses de ocupação:
[…] foi decidido que jornalistas não poderiam entrar aqui, como a polícia também porque infiltrados e saíram um monte de boatos de prostituição, violência, drogas como aqui fosse o berço de todos esses problemas sociais. (OCUPAÇÃO ANITA GARIBALDI, 2001)
A imprensa, a gente sabe que ela é burguesa, né? ela não procura de forma nenhuma falar a verdade no que se diz respeito a classe trabalhadora. Muito pelo contrário, eles tentam nos isolar, deturpar as informações. (OCUPAÇÃO ANITA GARIBALDI, 2001)
Sobre as ruas do Anita Garibaldi, elas homenageiam personalidades ligadas a movimentos sociais e lutas contra a escravidão, pelo direito à educação à moradia, a liberdade e a preservação do meio ambiente como por exemplo, as ruas Paulo Freire, Carlos Lamarca, Carlos Marighella, Zumbi dos Palmares e Chico Mendes. Também traz referências de marcos relacionados à própria história da ocupação do Anita Garibaldi como a Rua Dezenove de Maio, data que remete a ocupação do terreno, a Rua Nossa Terra, Rua Terra e Liberdade e a Praça da Vitória.
Hoje o Anita Garibaldi ainda luta e resiste na periferia da cidade. Nem todas as ruas foram asfaltadas e a infraestrutura da comunidade ainda necessita de muitas melhorias para que o sonho de muitos daqueles que lutaram e resistiram a todas as condições adversas, ao medo e as incertezas, se torne realidade. Um Anita Garibaldi que ofereça a todos os moradores e trabalhadores da comunidade, as condições de moradia, saúde, educação e vida digna na periferia de Guarulhos.
[1] A Região do Ponte Alta compreende os bairros: Ponte Alta, Nova Ponte Alta, Jardim Santa Paula.
[2] Em algumas fontes, varia a real extensão do terreno ocupado, sendo 1,139 milhão de metros quadrados ou 250 mil metros quadrados. Mantive neste artigo os 250 mil metros quadrados por ser a referência mais citada pelos moradores.
FONTES:
Documentário e Filme:
Anita Garibaldi, um acampamento.(2013) Youtube. 14 min. Disponível em: <https://youtu.be/rXAx7OPnxN0>
Ocupação Anita Garibaldi. (2001). Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). 9 min. Filme. Disponível em: <https://youtu.be/Qdl7Xyzs3iY>
Blogs:
Ocupação Social: Anita Garibaldi. O que da História. São Paulo, 20 de Abril de 2010. Disponível em: <https://oquedahistoria.blogspot.com/2010/04/ocupacao-social-anita-garibaldi.html>
Jornais:
Assentamento em Guarulhos é modelo para sem teto. Folha de S. Paulo. São Paulo, 27 de Julho de 2003, Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2707200305.htm>
SILVÉRIO, Samir. Invasão de sem-teto se consolida em Guarulhos. Diário do Grande ABC. Santo André, 02 de Agosto de 2003. Disponível em: <https://www.dgabc.com.br/Noticia/253048/invasao-de-sem-teto-se-consolida-em-guarulhos>
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENOIT, Héctor A. “O assentamento Anita Garibaldi”. Boitempo, v.1, n.14. 2002 Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/entrevista6134_merged.pdf?fbclid=IwZXh0bgNhZW0CMTAAAR09OPE7VxnVRhGp5NY5OQHyw3e1MZ6keP_BCbwaKfpe4mL7vDeZq98gB0E_aem_AXYSuYKaW9yAm13eMq87ObLz5ZeczIK18R1qgvL5Fgnt0jpwoU8kb_b5yjS5fALDcGiMi_a01pbocCw134wLTFAX>
FREITAS, Carolina. 20 anos do MTST: Um formigueiro contra o neoliberalismo. Esquerda Online. São Paulo, 10 de Dezembro de 2017. Disponível em: <https://mtst.org/mtst/20-anos-do-mtst-um-formigueiro-contra-o-neoliberalismo/>.
SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Guarulhos: espaços identitários sob a mundialização. São Paulo, 2004. 252 p. Tese (Doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FAU – Universidade de São Paulo – USP. Disponível em:<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16131/tde-11112022-125904/pt-br.php>
PAULINO, Peterson Mendes. Histórias da Quebrada: Comunidade Anita Garibaldi. Revista da Quebrada. 15° Edição, Janeiro de 2022. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1BVxK9vbayrQAky8nTuriTplISZ_AHFfI/view>