Borba Gato e Marielle Franco: uma resposta ao SP Antiga

O São Paulo Antiga é uma instituição necessária para a cidade de São Paulo. Seu fundador, Douglas Nascimento tem contribuído de maneira sensível a preservação do Patrimônio Cultural da cidade levando a cabo denúncia de descaso do poder público nessa área. Entretanto, o artigo “Borba Gato, o bandeirante injustiçado”, publicado na Folha no dia 29 de julho de 2022 merece uma réplica.

Dirijo-me diretamente ao autor. Prezado Douglas, acompanho o São Paulo Antiga e tenho admiração pelo seu trabalho. Sou de Guarulhos e sei que você começou em parte por aqui. Enfim isso não cai por terra, mas não esperava um texto tão raso e simplório como este que você preparou para defender o monumento do Borba Gato.

Entre tantas abordagens que poderia escolher, como por exemplo a questão de ser uma obra do Júlio Guerra escolhida para a celebração do bairro do Santo Amaro e toda historicidade que envolvia a imagem dos bandeirantes para época (década de 1960), por isso então aquela homenagem. Por óbvio não esperava você defender o fogo na estátua, mas acreditava que como pesquisador atento a aspectos históricos, você pudesse questionar se caberia uma homenagem aos bandeirantes HOJE para que conhecemos HOJE dessa trajetória marcada pelo sangue indígena e negro, cobiça, guerras “justas”, massacres, etc. e que talvez para aquela época ainda faltasse pesquisa. Borba Gato não era caçador de índios O debate não é o personagem, mas é o que o bandeirantismo representou. Hoje não caberia e você sabe.

Enfim, muitos caminhos para defender a justeza de manter, no meu ponto de vista, algo no mínimo questionável. Entretanto, Douglas você escolhe o caminho da lacração e isso é o pior para alguém que procura cliques ao mesmo tempo que precisa sustentar a respeitabilidade. Possivelmente você deve ter encontrado um possível erro de digitação (mataxós ou pataxós?), mas que fica ainda nítida a sua total falta de sintonia às questões indígenas e a simplicidade infantil com que tenta acalentar a figura de Borba Gato (“amigo de índio”, “tribos”, “cacique”). Soa amador você sugerir que o herdeiro de Fernão Dias Pais, um dos maiores algozes dos povos Guaranis, por ter fugido de um crime que cometeu contra a autoridade real e ter encontrado refúgio entre povos indígenas no entorno, possa se tornar a partir de 1702 um senhor “amigo de índios”? Hora veja só, o superintendente das minas de ouro, vencedor da Guerra dos Emboabas, não tinha escravos e era amigo de índios.

Borba Gato; Crédito: Veja SP.

Por certo você não escreveu sobre ter ou não escravo, mas ao ler “amigo” nos sugere que em um território sensível à coroa portuguesa tivéssemos um indigenista. Um quase como eles! Isso pode ser uma crença ou pode estar em livros, algo que em seu artigo você não mostra o que por óbvio na documentação existente não EXISTE. Mas o que soa ainda mais ofensivo (e isso é necessário um pedido de desculpas) é usar a imagem de Marielle Franco para dar sustentação ao seu argumento de que o atentado de Paulo Galo se compara a quebra da placa da vereadora pelo então candidato Daniel Silveira.

Marielle Franco e Memória Negra

Decerto, os monumentos à memória negra no Brasil já padecem de vandalismo e ataques constantes, como por exemplos as estátuas em homenagem a Zumbi dos Palmares espalhadas que hora tem pedaços arrancados, quando não plenamente vandalizado em sequência. Mas, o logradouro em homenagem à Marielle não pode ser comparado a isso e até por a princípio não se tratar de uma escultura em formato de homenagem e tão pouco uma ação organizada pelo estado e pacificada na sociedade no seu tempo.

O logradouro em homenagem a vereadora brutalmente assassinada em 2018 foi um ato de resistência oriundo de movimentos sociais e partidos de esquerda, uma ação de desobediência e basta a tantos corpos negros assassinados. Sua placa destruída em uma forma de resposta de parte do fascismo que desgraça o Brasil hoje. Não meu caro Douglas, não é a mesma coisa. E, horas, sugerir hipocrisia a quem não ver que no fundo é a mesma coisa lança uma dúvida de desonestidade intelectual aos que admiram o seu trabalho. Um desrespeito a memória da vereadora e um convite a ignorância.

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